A pandemia pelo vírus SARS-CoV-2 teve os primeiros relatos em dezembro de 2019 na China, evoluindo com uma taxa de transmissão extremamente alta. Em 30 de janeiro de 2020 já haviam sido notificados 7.818 casos de pessoas infectadas em 18 países, e 170 pessoas já haviam falecido por covid-19 na China. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de emergência em Saúde Pública de interesse internacional após esses relatos. Os casos de COVID-19 foram crescendo rapidamente em todo o mundo e em 11 de março de 2020 a OMS decretou situação de pandemia, momento em que se registrava mais de 118 mil casos da doença em 113 países com mais de 4 mil óbitos pela doença ¹.
Em acesso ao banco de dados do Ministério da Saúde em 18 de outubro de 2021 temos 21.644.464 casos da doença notificados, contando com 603.282 óbitos pela doença. A região sudeste do país é a que apresenta maior número de casos confirmados. O desenvolvimento da COVID-19 na sua forma grave – com acometimento pulmonar severo levando a síndrome do desconforto respiratório aguda (SDRA), pode resultar em insuficiência respiratória hipoxêmica, necessitando de monitorização em leito de UTI e de ventilação mecânica invasiva 2,3.
Dependendo do acometimento pulmonar do paciente a intubação orotraqueal não é recomendada inicialmente, assim sendo outros recursos são utilizados a fim de manter uma ventilação adequada ao paciente com COVID-19 para prevenir piora do quadro pulmonar, como a ventilação não-invasiva e o uso do cateter de alto fluxo (seguindo as recomendações para reduzir risco de contaminação por geração de aerossóis). Empregando essas medidas não invasivas reforça-se a necessidade de reavaliação dos pacientes constantemente, a fim de evitar a falha no uso destes recursos pela fadiga muscular e piora do comprometimento pulmonar destes pacientes devido ao processo inflamatório gerado pela SDRA causada pela COVID-19 2.
As taxas de falha de ventilação não invasiva relatadas para insuficiência respiratória hipoxêmica aguda foram maiores em pacientes com pneumonia, sepse e hipoxemia grave (PaO2 / FiO2 <150-200 mm Hg). Nos pacientes com elevado esforço respiratório deve-se considerar a possibilidade de lesão pulmonar autoinfligida pois estes pacientes geram volumes correntes muito elevados com alta pressão transpulmonar, o que pode levar a lesão pulmonar. Pacientes com esforços respiratórios persistentemente elevados, apesar das medidas de suporte não invasivas, podem se beneficiar de intubação precoce, sedação e controle do volume corrente entregue e do controle da pressão das vias aéreas 2.
A gravidade da hipoxemia, doença subjacente e a trajetória clínica desses pacientes são componentes importantes para a decisão de intubar. A partir do momento que a ventilação mecânica invasiva é indicada e iniciada, diversos fatores são constantemente avaliados e algumas recomendações de ventilação pulmonar protetora são feitas a partir do quadro de SDRA nos pacientes com COVID-19 2.
Uma vez iniciada a ventilação mecânica invasiva, a estratégia de ventilação pulmonar protetora relatada como mais promissora, reduzindo tempo de internação e mortalidade adotada foi com: baixos volumes correntes (entre 4 e 8 mL/kg – peso predito) , PEEP apropriada a fim de promover recrutamento alveolar sem causar hiper distensão alveolar e lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (LPIVM), além da pressão platô em <30cmH20, avaliação da mecânica ventilatória através do driving pressure e avaliação da PaO2/FiO2 a fim de otimizar as trocas gasosas. Esta estratégia foi usada com sucesso em uma série de casos de pacientes com COVID-19 e é recomendada pela The Surviving Sepsis Campaign e pelas diretrizes da National Institutes of Health 4.
Os modos de ventilação variam de acordo com a instituição e o ventilador mecânico utilizado, assim como depende dos recursos disponíveis pelo mesmo. A escolha do modo ventilatório que assegure o volume corrente adequado foi dada como uma forma mais segura de ventilar pacientes com SDRA por COVID-19, pois esta estratégia permite que o volume corrente ideal e seguro seja administrado 2, 4, 5.
Os modos ventilatórios a pressão controlada também foram utilizados na ventilação dos pacientes com COVID-19, porém sem assegurar o volume corrente ideal entregue, dependendo de variáveis como a complacência pulmonar do paciente, resistência e tempo inspiratório definido, esta modalidade apresentou-se como menos segura e com maior risco de ocorrência de LPIVM 2.
A ventilação controlada por volume (na presença de bloqueador neuromuscular ou na ausência de esforço inspiratório) ou a ventilação controlada por pressão (na ausência de bloqueador neuromuscular e leve esforço respiratório e assincronia) devem ser realizadas, portanto seguindo as recomendações do manejo da SDRA, o PEEP deve ser o mais alto possível para manter a pressão de condução (Pplat - PEEP) tão baixa quanto possível (15 cmH2O) e SpO2 alvo de 88-95%. Além disso, a desconexão do ventilador mecânico invasivo deve ser evitada para prevenir o desrecrutamento alveolar e atelectasias 2,4,5.
A estratégia ventilatória adotada após a intubação do paciente demonstra relação direta com o desdobramento da doença, impactando na mortalidade destes pacientes. Casos de barotrauma e demais ocorrências de LPIVM foram reportados ao longo da pandemia por COVID-19 em diversos serviços de saúde 5.
A tabela abaixo contém recomendações utilizadas para ventilação mecânica invasiva de pacientes que desenvolveram a forma grave da doença COVID-19 e consequente SDRA. Estas recomendações foram feitas a fim de prevenir LPIVM nestes pacientes e demonstraram melhora do prognóstico destes pacientes 2.
Tabela: Estratégia de ventilação pulmonar protetora convencional 2,4.
Todos os pacientes devem ser avaliados diariamente em relação aos critérios de elegibilidade para o teste de respiração espontânea, considerando oxigenação adequada (avaliada pela PaO2 / FiO2) com PEEP entre 5-7 cmH2O, apresentando estabilidade hemodinâmica com baixas doses estabilizadas ou sem uso de medicamento vasopressor, apresentando um nível adequado de consciência (facilmente despertar ou despertar), e manejo adequado de tosse e secreção com o presença de reflexo de tosse durante a aspiração fechada. Para desmamar pacientes com COVID-19 da ventilação mecânica invasiva é recomendável o uso do modo de ventilação por pressão de suporte (PSV) para os testes de respiração espontânea. O uso do método do ‘tubo em T’ têm sido evitado pois pode aumentar a aerossolização e risco de contaminação 6.
Portanto, em casos graves, a COVID-19 leva a insuficiência respiratória hipoxêmica que pode atender aos critérios para SDRA. Embora sejam necessários mais estudos específicos sobre a COVID-19, a base do tratamento para SDRA relacionado a COVID-19 continua a ser a implementação inicial no seu tratamento, utilizando uma estratégia de ventilação pulmonar protetora com baixos volumes correntes, PEEP adequada e manutenção de uma pressão de platô de <30 cm H2O. Terapias adjuvantes, como corticosteroides, uso da posição prona, vasodilatadores pulmonares e ECMO em casos refratários podem ser considerados caso a caso com contribuições da equipe de cuidados intensivos 2.
Referências
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COVID-19 NO BRASIL. Ministério da Saúde, BRASIL. Acesso em 18/10/2021 em: https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/registro-de-ocupacao-hospitalar
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Righetti, R. F., Onoue, M. A., Politi, F. V. A., Teixeira, D. T., Souza, P. N. de, Kondo, C. S., Yamaguti, W. P. (2020). Physiotherapy Care of Patients with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) - A Brazilian Experience. Clinics, 75. doi:10.6061/clinics/2020/e2017.
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